Ensinem Português aos seus filhos

Volta e meia nessa minha vida de expatriada encontro uma pessoa cujos pais são imigrantes e não raramente escuto a seguinte reclamação: “meus pais não me ensinaram a língua nativa deles”. Essa frase nunca vem com um tom de raiva mas uma leve tristeza pela oportunidade perdida.

Grande parte desse sentimento de perda de oportunidade vem do fato de que saber uma outra língua é sempre uma vantagem, ainda mais hoje em dia que falamos tanto em competitividade no mercado de trabalho. Mas há também um elemento emocional da falta de conexão com o que deveria ser um laço natural, afinal filhos de imigrantes tem raízes na terra de seus pais, sejam elas formais (como passaportes) ou informais, como o simples contato com aspectos culturais dentro de casa.

Os motivos que levam os pais a não ensinar sua língua nativa aos filhos variam: medo de atraso de fala e possível dificuldade de integração na cultura local, possíveis dificuldades na escola, falta de apoio institucional e de materiais e o árduo trabalho, pois sim, é difícil fazer seu filho falar a língua de herança (língua materna dos genitores) quando ele preferiria mil vezes utilizar a língua estrangeira, com a qual ele está mais acostumado, ainda mais quando ele sabe que você também a domina.

Em relação ao mito do atraso de fala, podemos ficar tranquilos: as pesquisas mostram que aprender mais de uma língua ao mesmo tempo não causa nenhum atraso de fala ou problemas de aprendizado e inclusive o bilinguismo/multilinguismo são excelentes para o desenvolvimento cerebral havendo hoje em dia uma vasta bibliografia sobre isso.  A falta de apoio institucional é outro motivo que desencoraja os pais ao bilinguismo/multilinguismo. Infelizmente o mito do atraso de fala e aprendizado é tão enraizado que até alguns profissionais de educação o repetem quando deveriam oferecer apoio. Meu conselho: se a escola do seu filho for contra uma criação bilíngue/multilíngue, procure outra escola ou, caso não for possível, deixe esse papo entrar por um ouvido e sair por outro. Já a questão da dificuldade de ensinar sua língua materna em outro país: é difícil mesmo. Em geral as crianças acabam optando por utilizar a língua que elas falam com os colegas na escola, o que é absolutamente normal. Tornar o aprendizado da língua de herança um processo orgânico é a melhor estratégia para se obter sucesso. Use sua língua em casa para brincar, cozinhar, dar banho e dar bronca também! Se seu filho responder na língua estrangeira não precisa fingir que não entendeu. Os especialistas inclusive dizem que isso pode gerar frustração. Ao invés disso, repita o que ele disse na sua língua. E leia, leia muito! A leitura além de aumentar o vocabulário ainda ajuda no conhecimento daquela cultura específica.

Dificuldades à parte, ensine o português aos seus filhos e não negue algo que lhes é de direito que é parte de sua identidade.  Filhos de imigrantes deveriam não apenas conhecer sua história mas se sentir parte dela. Quando visitam a terra natal de seus pais deveriam ter ao menos a chance de não se sentirem como completos estrangeiros.

Aqui em casa somos uma família multicultural: sou carioca, meu marido dinamarquês e nossa filha de 2 anos nasceu no Reino Unido.  Quando engravidei dela eu pesquisei e li bastante sobre dois temas: parto e amamentação de um lado e  multilinguismo do outro. Desde o início tive certeza que faríamos o possível para que a Clara falasse nossas línguas maternas e optamos como estratégia o OPOL (one-parent-one-language). Desta forma, eu sempre falo em português com a Clara e o Thomas dinamarquês. Inglês é a língua da creche e de certa forma da família como um todo, pois eu não falo dinamarquês, nem Thomas o português.

Clara possui um desenvolvimento de linguagem absolutamente normal para a sua idade mesmo sendo criada trilíngue. Sim, ela mistura línguas (esse fenômeno se chama code switching e é absolutamente normal em pessoas que falam mais de uma língua e inclusive muitos o fazem de propósito) e há uma óbvia assimetria em fluência: o inglês dela é melhor que os outros dois idiomas e o dinamarquês é o pior mas nós sabemos que isso é normal e pode mudar futuramente.  Temos a sorte de morarmos em uma cidade muito diversa com pessoas do mundo todo e portanto tanto na creche quanto nos grupos de crianças que frenquentamos é muito comum haver crianças multilíngues. Na creche da Clara inclusive é tão normal que até na ficha de inscrição eles perguntam quais línguas a criança fala.

Mas independente do ambiente, o maior fator decisivo para que seu filhos falem suas línguas de herança é a importância que os pais dão à isso e o esforço que eles dedicam. Para mim pessoalmente nunca foi uma opção que o português fosse uma língua estrangeira para minha filha. Ela é brasileira mesmo que seja nascida em outro país e com um pai estrangeiro. Sua identidade é mista, multicultural, diversa e rica e eu vejo como uma responsabilidade minha transmitir o máximo que eu puder sobre suas raízes para que ela sempre veja o Brasil (e a Dinamarca) como sua casa e mais do que respeitar sua história e suas raízes que ela as aprecie e tenha orgulho delas. O caminho é árduo e cheio de obstáculos mas ao mesmo tempo gratificante e incrivelmente enriquecedor.