Parto na Inglaterra (Primeira parte)

A cultura de parto da Inglaterra é bem diferente da do Brasil em muitos aspectos. Aqui há um índice muito maior de partos normais e naturais,  a maior parte dos partos é feito por parteiras e não médicos e em geral há menos intervenções durante a após o parto. Esse post, assim como todos os outros, contém informações que eu pesquisei mas em sua maioria, estou descrevendo a minha experiência e aquelas de pessoas mais próximas. É claro que experiências pessoais e qualidade de atendimento médico variam de lugar para lugar e de mulher para mulher, então leve isso em consideração ao ler este post.

A data prevista do parto na Inglaterra é de 40 semanas (na França é 42 o que eu acho muito melhor) porém é muito comum as gravidezes chegarem à 42 semanas sem nenhum alarde. Com 41 semanas, caso não haja sinais de trabalho de parto, a parteira oferece um descolamento de membrana que é uma forma  de indução não medicamentosa e relativamente pouco invasiva. Para algumas mulheres como eu por exemplo, esse método é tiro e queda e a mulher entra em trabalho de parto algumas horas depois. Para outras, ele não funciona. Estando tudo bem com mãe e bebê a gravidez continua até 42 semanas. Enquanto no Brasil a essa altura  e até muito antes, já se conversa sobre a possibilidade de uma cesárea, aqui o protocolo é sempre, dentro da margem de segurança, possibilitar o parto normal. Então, se com 42 semanas não houver trabalho de parto é oferecida a opção de uma indução. Algumas mulheres aceitam e outras preferem esperar um pouco mais. Nesse caso, as mulheres são acompanhadas bem de perto pois há um aumento pequeno, mas real, de riscos depois de 42 semanas.

Induções podem demorar, e como as vezes a primeira não funciona, há casos de partos via indução que duram alguns dias o que não é de forma alguma perigoso, mas é cansativo e doloroso, já que as contrações com indução tendem a ser mais intensas. Caso nenhuma indução dê certo aí sim, parte-se para a cesárea.

Cesáreas na Inglaterra e na Europa em geral são bem mais raras que no Brasil. Enquanto esse tipo de cirurgia corresponde a  55% de todos os partos do país, com esse percentual chegando a 82% na rede privada, na Inglaterra apenas 25% dos partos são cirúrgicos e dentre estes, 15% são cirurgias de emergência (não planejadas). Isso significa que apenas 10% dos partos na Inglaterra são cesáreas eletivas e mesmo assim, há uma campanha contínua para diminuir esse percentual. É comum ouvirmos que na Europa se insiste no parto normal para evitar custos. E é claro que sendo um sistema público de saúde, há interesse em manter gastos sob controle. Porém, esse não é o principal motivo. O parto normal traz muitas vantagens para mãe  e bebê, e a cesárea, apesar de dar uma falsa sensação de controle e segurança, aumenta os riscos para ambos e por isso os hospitais europeus evitam ao máximo esse tipo de procedimento.

Aqui entra também uma diferença cultural muito grande entre as européias e as brasileiras. A mulher européia até sente medo da dor do parto normal, mas ela tem muito mais medo de precisar da cirurgia. No Brasil é muito comum perguntarmos a uma grávida como  o parto será normal ou cesárea ou dizer que ela é muito corajosa em tentar parto normal. Essa pergunta e esse tipo de comentário são raramente feitos já que a maioria das mulheres assume que terá parto normal e sabe que a dor é parte do processo. Quando uma mulher menciona que teve uma cesárea, em geral assume-se que houve complicações. No meu curso pré-natal por exemplo, éramos 8 mulheres. Ao sermos questionadas pela instrutora sobre onde queríamos ter os bebês, casa de parto, hospital ou em casa, 6 haviam optado pela casa de parto, uma, por motivos de saúde, teria que ser monitorada o tempo todo, então teria que ir ao hospital e eu queria um parto normal mas estar perto do anestesista. Das 8, 6 tiveram partos normais e 2 (eu incluída), tiveram cesáreas de emergência.

Acredito que a diferença nessa cultura do medo do parto normal se deva em primeiro lugar ao nosso sistema de saúde. Devido a forma como planos de saúde funcionam, e mulheres querendo ter seus bebês com seus obstetras, fica praticamente inviável realizar partos normais já que  estes podem durar muito tempo, inclusive dias. O outro motivo, que é relacionado com o primeiro, é cultural. Grande parte das mulheres nascidas nas décadas de 70 e 80 nasceram de cesáreas e quando conhecem histórias de partos normais são em geral narrativas recheadas de violência obstétrica. Esse é um terceiro motivo para o medo: O parto normal no Brasil, infelizmente, é mal feito o que faz com que muitas mulheres vejam na cesárea eletiva uma alternativa tranquila para a violência obstétrica. O quarto motivo eu considero o mais sério: os próprios obstetras, movidos por interesses próprios, criam motivos para fazer cesáreas desnecessárias. As desculpas são muitas, e incluem: bacia estreita, ter passado da data prevista do parto, cordão enrolado, trabalho de parto longo, cesárea anterior e o meu favorito, examinar a mulher fora de trabalho de parto e concluir que ela “não vai ter dilatação” (aparentemente esses médicos tem bola de cristal).

Na Inglaterra o sistema de saúde é público. Mulheres tem seus bebês com  uma equipe interdisciplinar de plantonistas e estes são instruídos a usarem a cesárea com cautela pois ela é vista como a  mais invasiva das intervenções que aumentam uma série de riscos para mulheres e bebês. Neste sentido, quando uma mulher tem uma complicação, a equipe sempre procura usar a intervenção menos invasiva na medida do possível. Isso não quer dizer que aqui não haja erros médicos ou até mesmo violência obstétrica. Conheço mulheres que tiveram péssimas experiências em seus partos normais e há até casos de algumas que tiveram cesáreas negadas mesmo este sendo um direito de toda parturiente. Aliás, é mito que na Inglaterra a mulher não tem direito de escolha. A lei é clara, e toda a mulher tem direito de ter o parto que ela quiser: domiciliar, na casa de parto, no hospital, com ou sem anestesia e até uma cesárea eletiva. O que acontece é que os profissionais de saúde tentam ao máximo promover o parto natural por este ser em geral, a opção mais segura para mulheres e bebês e também a mais econômica.

Uma vez que a mulher entra em trabalho de parto ela é orientada a esperar entrar em trabalho de parto ativo pois pesquisas mostram que ir para o hospital antes disso pode até mesmo atrapalhar a evolução do trabalho de parto. No caso de partos domiciliares, duas parteiras vão até a casa da parturiente ( e sim, conheço gente que teve parto domiciliar. E não, não precisa ser rica e “montar um hospital em casa”. Uma das moças que eu conheço é professora e teve seus dois filhos em casa).

O que acontece depois varia de acordo com o parto. Mas em geral, e pelo menos no hospital que a Clara nasceu, tenta-se o fazer o menor número de interveções possíveis e manter a mulher e o bebê no hospital pelo menor tempo possível. Algumas coisas porém, são comuns a todos os partos independente de ser natural, instrumental ou cesárea. A “oura dourada” e o contato pele-a-pele são encorajados. Lembro que a Clara nasceu, foi vista rapidamente pelo pediatra (foi uma cesárea de emergência por estresse fetal e ainda havia presença de mecômio) e assim que viram que ela estava bem, ela foi direto para o meu colo e lá ficou. Outras intervenções, como aspiração das vias aéreas e uso de colírios também são evitadas. Separação de mãe e bebê só em casos de necessidade e o uso de incubadoras de rotina por exemplo, não acontece aqui.

Depois do parto vamos para o nosso “quarto”. No meu caso e acredito que no caso de todos os hospitais, não há quarto nem banheiro particular. Ficamos em uma sala grande com camas separadas por cortinas. Naquele espacinho há uma cadeira para o acompanhante e o bercinho do bebê. No hospital onde fiquei não havia berçário, o que eu adorei pois para mim, lugar de bebê recém-nascido saudável é com a mãe. O que eu via muito eram os pais empurrando o bercinhos pelos corredores do hospital enquanto as mães dormiam.

Uma outra diferença que eu vejo, especialmente em relação aos hospitais particulares no Brasil é a questão da visita. Escuto muito falar em “lembracinha da maternidade”, vejo muitas fotos de bebês que acabaram de nascer e a família toda já está lá desde o primeiro minuto. Aqui isso não acontece. Em geral só o marido/parceiro(a) está com a mulher e visitas em só aparecem depois que o bebê já foi para casa. Aliás, os horários de visita no hospital que a Clara nasceu eram super restritos: de 5 as 8 da noite. Fora desses horários só o acompanhante da mulher e irmãos do bebê. Avós, amigos etc. , só dentro do horário. Acredito que isso se deva a dois fatores:

O primeiro é a infraestrutura: os hospitais são públicos e apesar de serem bons, não há área para visitantes. Como os partos são normais, também é difícil saber quando o bebê vai nascer então não faz sentido ficar andando pelo hospital esperando. Já depois do parto, as mulheres ficam todas em uma sala só. Todas acabaram de ter bebê, estão cansadas, com dor as vezes, muitas estão sem dormir, aprendendo a amamentar e conhecendo seus bebês. A última coisa que elas precisam é gente entrando e saindo o dia todo! Eu tinha minha família aqui e achei chato não poder ver meus pais mas, assim funciona o sistema público: todos tem acesso mas sem luxos. Eu pessoalmente acho justo.

Antes de sairmos do hospital é feita uma avaliação mais completa do bebê e tem-se certeza que a amamentação está indo bem. Na saída recebemos um livrinho vermelho que é onde toda a informação do bebê será mantida: pesagens, vacinas, desenvolvimento etc.. Ah, crianças aqui não fazem consulta de rotina com pediatra, somente se houver algum problema. Nos primeiros dias/semanas as mulheres recebem visitas das parteiras em casa onde elas conversam com as mães e examinam e pesam o bebê. Durante uma dessas visitas é feito o exame do pezinho inclusive. Com seis semanas há o discharge appointment  e estando tudo bem, mãe e bebê recebem alta do sistema. A partir daí, se houver algum problema podemos buscar ajuda da nossa clínica local. Os children’s centers que são como centros de atividades das vizinhanças mantidos pelo governo, normalmente oferecem um serviço de pesagem com parteiras que também tiram dúvidas das mães. Eu só ia mesmo com para pesar a Clara já que tudo é muito corrido e se tivesse uma dúvida preferia telefonar para a minha midwife ou ir ao médico mas confesso que para mãe de primeira viagem fui bem pouco neurótica!`

Dicas para brasileiras tendo bebês na Inglaterra:

– A primeira dica, e provavelmente a mais dura porém honesta é: desapegue do sistema brasileiro, em especial o particular. O obstetra de confiaça, os mil ultrassons, cesárea agendada, quarto particular no hospital…. Nada disso faz parte da realidade aqui, o que não é necessariamente ruim.

-Informe-se: Leia bastante e faça todos os cursos que quiser. É possível sim ter um parto normal sem violência. Não se esqueça que cesárea dói também!

– Qualquer pessoa que estiver com você deve ser igualmente informada. Partos podem ser intensos e estar informado é essencial para apoiar a gestante.

– Converse com as européias. Sempre achei que mesmo as brasileiras que tiveram filhos aqui as vezes sentem que o sistema é ruim. Em geral são as que tinham no Brasil acesso a planos de saúde e ao se depararem com o sistema aqui não se sentiram seguras. O choque cultural pode ser bem grande.

– Conheça seus direitos. O Site no NICE possui todas as práticas e direitos dos  pacientes. Para partos, acho importantíssimo pelo menos passar o olho.

– Considere ter um doula: Fez muita falta para mim que tive um parto longo. Doulas são acompanhantes profissionais que oferecem apoio físico e psicológico à gestante. Elas não podem fazer nenhum procedimento médico mas conhecem métodos naturais de alívio de dor, como massagens, e posições. A OMS e os hospitais aqui apoiam bastante a presença de doulas.

E como prometido, algumas fontes que eu usei:

– Site no NICE: Guia do governo para assuntos de saúde. Inclui as orientações oficiais sobre protocolos usados em diferentes áreas da medicina, incluindo partos.

NCT: Organização que oferece informações bastante atualizadas e cursos relacionados à parto, amamentação e pós-parto. Fiz dois cursos e aprendi muito. Além disso, o curso encoraja que o grupo permaneça em contato, ou seja, as mulheres acabam formando uma rede de apoio que eu achei essencial.

UNICEF: Possui muita informação sobre boas práticas obstétricas. Vale a pena ler sobre a campanha Quem espera espera.

UNASUS: Esse link contém as orientações atualizadas para a conduta do parto normal.

Humanize-se: Página no Facebook que eu adoro. Página de parto humanizado que pertence à uma doula super bem informada.

Alaya Dullius: Doula e acupunturista, ela é uma enciclopédia de parto humanizado e defensora de algo que eu acredito muito que são as escolhas baseadas em evidência científica. Ela fala sobre tudo: dor do parto, indicações falsas de cesárea, relatos de parto etc.

– Parindo com respeito: Conta no Instagram de uma obstetra humanizada. Ela tem muitas fotos e fatos interessantes e atualizados. @parindocomrespeito

Livre Maternagem: Outra página muito boa sobre parto humanizado, amamentação e outros assuntos relacionados a maternidade.

Espero que ajude! No próximo post vou falar um pouco da minha experiência pessoal…