Eu fui batizada católica e o Thomas na Igreja Nacional da Dinamarca, que é luterana. Nenhum de nós é religioso e sequer frequentamos igrejas e portanto batizar a Clara não era nosso plano incial. Sempre achei que fé ou a pessoa tem ou não tem e queria dar a ela a liberdade de escolha. Mas por motivos práticos, acabamos por optar pelo batismo e em maio de 2017 nós viajamos para a Bogense na Dinamarca onde, em meio a família e amigos nós fizemos o inimaginável para um ateu e uma agnóstica: batizamos nossa filha cristã, dentro da doutrina luterana, em uma cerimônia super tradicional. Pois é, a vida é cheia de surpresas. Não só a Clara foi batizada, eu e Thomas, que havíamos casado na China, recebemos a benção da Igreja nesse dia também. Ou seja, fiz outra coisa que eu nunca quis incialmente: casar na Igreja.
E porque eu mudei de idéia? Em primeiro lugar, foi o fator cultural de como os dinamarqueses encaram a religião. A Igreja da Dinamarca é uma igreja nacional, de doutrina Luterana que tem a rainha como cabeça. A maioria dos dinamarqueses tem uma relação de “pertencer sem acreditar” com ela o que significa que eles veem a Igreja como um importante símbolo de identidade nacional mas não necessariamente acreditando na doutrina e até mesmo em Deus. A maioria das crianças é batizada e grande parte dos adolescentes opta por passar pela “confirmação” que é o equivalente à primeira comunhão na religião católica. Desta forma o batizado me parecia muito mais uma introdução à sociedade do que um ato puramente religioso.
Isso no traz ao segundo motivo pelo qual nós optamos pelo batismo na Igreja da Dinamarca. A Clara recebeu cidadania dinamarquesa por ser filha de dinamarquês. Porém, a Dinamarca possui regras bastante restritas em relação à cidania. Por exemplo, nascer em território nacional não garante cidadania automática. Para um estrangeiro se tornar cidadão há um longo e complexo processo. Dinamarqueses nascidos fora da Dinamarca como a Clara podem perder sua nacionalidade devido a chamada regra dos 22 anos. Esta regra estipula que cidadãos dinamarqueses nascidos em outro país podem perder sua cidadania aos 22 anos a não ser que:
– Se mudem para a Dinamarca antes dos 22 anos;
– Sejam registrados com as autoridades dinamarquesas por um mínimo de 3 meses;
– Tenham passado tempo na Dinamarca indicando relações próximas com o país, sendo que estas estadias precisam somar um período próximo de um ano no total;
Como a Clara nasceu na Inglaterra e sabendo da fragilidade da cidadania dinamarquesa, nós fazemos questão que ela mantenha laços bem fortes com a Dinamarca. Ser batizada na Igreja nacional demonstra um certo nível de proximidade com a cultural nacional (seja lá o que isso significa!). Além disso, a Igreja possui certas funções burocráticas, como a emissão de certidões de nascimento e o equivalente na Dinamarca à identidade que é o social security number que todo cidadão recebe ao nascer. Como a Clara nasceu na Inglaterra, ela não recebeu esse número super importante. Porém, ao ser batizada na Igreja Nacional, ela finalmente recebeu esse número. Por este motivo também, eu e Thomas “casamos” de novo nesse dia. Nós nos casamos na China e fizemos o registro na embaixada do Brasil em Beijing. A partir do momento que casamos na Dinamarca, eu também ganhei um número de identidade. Em um país onde o governo é presente em tudo, estar dentro do sistema é muito importante. Quando este país tem uma política de imigração super restrita isso é mais importante ainda.
O terceiro motivo foi social. Eu e Thomas nos casamos na China mas também tivemos uma celebração no Brasil onde pudemos comemorar com familiares a amigos que não puderam ir à China. Nunca havíamos tido a chance de celebrar nossa união e nossa família na Dinamarca. O batizado foi uma excelente oportunidade para reunir família e amigos em território dinamarquês. Os convidados vinham de diferentes lugares. A maioria era dinamarquesa, claro, mas tivemos um grupo bem internacional. Meus pais foram do Brasil juntos com um casal de amigos da família. Um outro casal de amigos nossos, português/brasileiro mas vivendo em Paris, também foi. Minha irmã foi de Londres e a host mother do Thomas de quando ele fez intercâmbio nos EUA foi também.
E como foi o batizado? Foi no dia 25 de maio de 2017, na cidade de Bogense em Fyn, uma cidadezinha pequena e turísitica de veraneio onde meus sogros vivem e onde temos uma casa de férias. CLara foi batizada na igreja local, que além de linda e super antiga, tem vista para o mar. A cerimônia em si foi super tradicional, realizada por uma pastora (a Igreja dinamarquesa aceita mulheres como pastoras) e toda em dinamarquês. Para quem não falava dinamarquês (eu, meus pais, minha irmã e amigos da família que também vieram para o batizado) o Thomas havia achado uma tradução em inglês da cerimônia.
Enquanto na religião católica há um casal de padrinhos e a madrinha de consagração, na Igreja da Dinamarca há uma madrinha/padrinho e quantas(os) madrinhas/padrinhos de consagração os pais quiserem. Minha irmã foi madrinha e tivemos outros 3 padrinhos/madrinhas de consagração. Isso foi possível porque a Igreja dinamarquesa aceita que qualquer pessoa batizada dentro de uma religião cristã exerça a função de madrinha/padrinho, o que não ocorre com a religião católica.
Na tradição dinamarquesa a criança é batizada na mesma roupa que o pai, em geral feita com um pedaço de tecido do vestido de noiva da avó. Para enfeitar, coloca-se uma fitinha, rosa para as meninas e azul para os meninos (admito que isso me faz revirar os olhos já que eu detesto essas caixinhas de gênero. Mas como diz o ditado “pick your battles”). Na parte de dentro da roupa se escreve ou borda o nome do pai. A roupa da Clara seguiu toda a tradição. Na hora do batismo mesmo todas as crianças que estavam na igreja foram chamadas ao altar e receberam uma benção, o que eu achei super legal.
Assim que ela foi batizada, eu e Thomas fomos convidados a receber a benção da Igreja pelo nosso casamento. E essa é a história de como eu, que nunca quis nada disso, casamento em Igreja e batizar meu filhos, fiz os dois no mesmo dia da forma mais tradicional possível. A gente cospe para cima, mas com muito amor e bom humor sempre!!!!
Depois da cerimônia, recebemos todos os convidados para um almoço em um restaurante local com uma vista linda para a marina. A comida estava ótima, a Clara super de bom humor, e as famílias e amigos todos sorrindo, felizes. A Clara acabou cochilando o que nos deu um bom tempo para curtir nossas bebidas na varanda do restaurante, aproveitando o dia de sol e calor, algo raro na Dinamarca. No final da tarde todos foram convidados para o salão de festa do condomínio dos meus sogros para o bolo e docinhos e abertura e agradecimento aos presentes. A noite foi servida uma sopa e mais bebidas e aos poucos alguns convidados começaram a ir embora.
As 8 da noite eu levei a Clara para a casa dos meus sogros que ficava a 2 minutos do salão de festas. Lá a coloquei para dormir e voltei para a festa enquanto a mãe do Thomas e a host mother dele cuidavam dela. A esse ponto a festa não era mais um batizado de bebê. Música, dança, bebida e muita conversa. A festa agora era dos pais!!!! A meia noite peguei a Clara e fui com ela para a nossa casa de férias e o Thomas chegou algumas horas depois.
No dia seguinte fui até o hotel onde meus pais e amigos estavam hospedados para um café da manhã. Era também hora de dizer tchau mas não por muito tempo. Dois dias depois eu, Thomas e Clara estávamos embarcando para a primeira viagem da Clara ao Brasil! Isso fica para o próximo post.