Eu engravidei da Clara na Europa e portanto todo o meu pré-natal e parto foram feitos aqui. Eu acompanhei muitas amigas grávidas aqui e no Brasil e posso dizer que a cultura de gravidez e parto nos dois países são bastante diferentes e por isso uma brasileira tendo bebê na Inglaterra ou na Europa em geral , à não ser que seja familiarizada com o movimento do parto humanizado no Brasil, pode ter um choque cultural enorme.
As diferenças começam logo na descoberta da gravidez. Quando o exame de farmácia deu positivo eu liguei para a minha surgery (clínica médica local) . Ao informar à secretária que estava grávida de 2 ou 3 semanas ela apenas me perguntou se eu planejava dar continuidade à gravidez (o aborto é legalizado e oferecido pelo sistema público de saúde) e ao responder que sim ela me disse que eu poderia ir lá buscar meu “pacote” e aguardar até a oitava semana, quando os primeiros exames de sangue seriam feitos. Isso já e bem diferente do Brasil onde em geral a mulher vai ao seu ginecologista e provavelmente faz até um exame de sangue para comprovar a gravidez. O tal do pacote é uma pasta onde todas as informações sobre sua gestação serão mantidas. Exames de sangue, ultrassons, todas as consultas com as midwives (parteiras). Tudo isso também é colocado em um prontuário eletrônico que qualquer hospital ou profissional de saúde do NHS (a versão inglesa do SUS) tem acesso. Vale lembrar que pré-natal e parto são oferecidos pelo serviço público de saúde, o que é lógico, tem suas vantagens e desvantagens.
Com 8 semanas a grávida tem a primeira consulta com a midwife e faz os primeiros exames de sangue, Essa aliás é outra diferença entre o Brasil e a Europa: Nós somos acompanhadas por uma equipe de midwives. Obstetra, só quando há algum problema ou condição especial. A midwife não é uma enfermeira especializada e nem um médico. Na Inglaterra e outros países da Europa, midwifery é uma formação especializada, que envolve três anos de universidade divididos entre aulas em sala de aula e prática nos hospitais, casas de parto e até em partos domiciliares. A própria palavra midwife significa “aquele que acompanha a mulher”e elas não só acompanham o pré-natal mas também os partos de baixo risco, incluindo partos domiciliares, que são comuns em muitos países da Europa. Ou seja, em um cenário obstétrico ideal aqui, uma mulher tem filhos sem nunca ter que ver um obstetra.
Entre 12 e 14 semanas é feito o primeiro ultrassom, que serve entre outras coisas para datar a gravidez. . Durante esse ultrassom a gestante tem a opção de fazer também a translucência nucal, um exame que detecta as chances do bebê ter Síndrome de Down. Esse exame, assim como outros exames de sangue para detectar doenças genéticas são opcionais e só podem ser feitos com autorização da mãe. Nesse ultrassom recebemos a famosa data prevista do parto. Na verdade, a data prevista do parto serve mais para organizar o pré-natal já que de fato, apenas 4% dos bebês nascem nesta data, sendo que a maioria deles nascem duas semanas antes ou depois. Uma das minhas parteiras dizia que preferia o termo “due period” ou “época prevista do parto” que deveria ser entre 37 e 42 semanas. Estando tudo bem, temos uma consulta com a parteira a cada 4 semanas. A partir da semana 40, essa consulta passa a ser semanal. Nessas consultas nós sempre levamos nossos livrinhos onde tudo será anotado. A parteira tira a pressão, as vezes pesa a paciente, mas nem sempre, e também faz-se a medição da altura uterina. Não há nenhum exame ginecológico, exceto claro, caso haja algum problema. Aliás, essa história de fazer exame de toque em grávida fora de trabalho de parto para ver indícios de dilatação, é furada. Algumas mulheres realmente chegam com um pouco de dilatação no final da gravidez e outras não. Isso não quer dizer absolutamente nada! Em trabalho de parto ativo algumas dilatam super rápido e outras de forma mais lenta. Vale lembrar aqui que essa história de dizer que a mulher não vai ter dilatação baseado em exame de toque fora do trabalho de parto é um mito dos grandes!
Lá para a vigésima semana é feito o segundo e último ultrassom que é o morfológico para saber se está tudo direitinho com o bebê. É nesse exame que é possível descobrir o sexo do bebê. Pela minha experiência muitos europeus preferem a surpresa. Nessa época também é feito o exame da glicose, para saber se há diabetes gestacional (acredito que no caso de diabetes, um obstetra seja recomendado aqui). Aquele ultrassom 3D muito comum no Brasil raramente é feito aqui.
Uma coisa que eu me lembro muito claramente é a importância dos movimentos fetais depois das 20 semanas. As parteiras insistiam muito para que se prestássemos atenção nos movimentos fetais. Caso houvesse qualquer mudança maior, a recomedação era ligar para o hospital. Aconteceu comigo duas vezes e em ambas fui internada por algumas horas onde fiz a cardiotocografia. Estava tudo bem, mas as enfermeiras e parteiras diziam que na dúvida era sempre melhor checar. Aliás, falando em mitos, existe uma história muito perigosa que diz que o bebê para de mexer perto do parto. Isso é mito. Se o bebê passar a se mexer menos perto ou durante o parto é preciso investigar sim!
Na semana 36 nós somos convidadas a conhecermos o lugar onde vamos ou planejamos ter nossos bebês e fazemos o nosso plano de parto. Como eu era de baixo risco, fui conhecer o Birth Centre que é uma casa de parto. São várias suítes com cama, banheiro, banheira, bolas e tudo o que uma mulher precisa para um parto natural.
O plano de parto inclui itens como:
– Onde você terá seu bebê? Em casa, na casa de parto ou no hospital?
-Métodos de alívio para dor
– Como irá expelir a placenta? Naturalmente ou com ajuda de medicação?
– Irá dar vitamina K para o bebê, e de que forma?
Para ajudar nessas decisões uma outra coisa muito legal na Inglaterra é o estímulo à busca por informações por parte da gestante. O próprio governo organiza um curso de dois dias para os pais de primeira viagem. Esse curso cobre a fisiologia do parto, suas fases, as vantagens do parto natural, diferentes formas de alívio para dor, possíveis intervenções como anestesia, fórceps (que no Brasil causa um medo terrível, muito mais pela falta de informação que por fatos), ventosa e também a cesárea. A outra parte do curso é dedicada à amamentação. Nesse caso cobrimos as vantagens do aleitamento materno, as dificuldades mais comuns, o que é uma pegada correta, o que fazer em caso de dificuldades, diferentes formas de posicionar o bebê etc. Além do curso do governo, muitas pessoas procuram o curso do NCT, ou National Childbrith Trust. Esse curso é pago e cobre os mesmos temas do curso do governo. Há também bastante foco no parceiro(a) da grávida, ou seja, qual o papel que essa pessoa terá, que é o de criar um ambiente calmo e tranquilo para que a adrenalina da parturiente abaixe, permitindo que a ocitocina, o hormônio do amor como chamam, possa trabalhar. Outros temas explorados:
– Fases do parto
– O que parto é ativo
-A importância de só ir ao hospital em trabalho de parto ativo
-métodos de relaxamento durante o trabalho de parto
Ambos os cursos tem como fundamento informações da OMS, do Ministério da Saúde e do NICE (National Institute for Health and Care Excellence).
Esse incentivo à informação faz parte de toda uma cultura obstétrica onde a mulher é protagonista de seu parto. O mais importante disto é que estar informada diminui bastante o medo e a ansiedade e isso eu posso falar por experiência própria.
Para as brasileiras que estão grávidas no Reino Unido ou na Europa em geral eu recomendo muita pesquisa, muito estudo e os cursos. Nossa geração, que nasceu no Brasil em 1970-80, já veio ao mundo em uma cultura de cesáreas. Crescemos com poucas histórias de partos normais muitos deles marcados por violência obstétrica. Crescemos em meio a mitos como o de que há um limite de horas para o trabalho de parto além de outros motivos absurdos para cesáreas como cordão enrolado, diabetes, quadril estreito, bebê que “passou da hora” etc. Se crescemos com medo do parto normal, a experiência européia (e australiana, canadense etc) será um choque. Se você está grávida e planeja ter seu bebê aqui, é bom se atualizar. Tanto em inglês como em português há bastante material disponível em especial dos profissionais da humanização. No próximo post sobre parto no Reino Unido eu incluo algumas das fontes em português que eu gosto e conto um pouquinho de como foi a minha experiência.
Até a próxima!