E como foi meu parto? Não foi o que eu queria, mas fui muito bem atendida e respeitada. Eu tive uma fase latente longa que apesar de dolorosa, em si não era indicação de cesárea. Após entrar em trabalho de parto ativo, aí sim a coisa evolui mas uma vez que tomei a peridural, a Clara passou a ter episódios de quedas de batimentos cardíacos. Como ela sempre se recuperava rapidamente a decisão foi manter o plano original de um parto normal.
Quando já estava no expulsivo, fazendo força, a Clara teve mais quedas de batimentos mas dessa vez a recuperação dela estava demorando cada vez mais. A parteira então chamou a obstetra e as duas vieram nos dizer que como a posição da Clara estava ruim, o expulsivo iria demorar e que por causa do quadro dela não tínhamos muito tempo. A primeira sugestão foi usar o fórceps de alívio já que ela estava bem ali “de cara para o gol”. Havia lido muito sobre uso de fórceps de alívio. Sabia que na maioria dos casos ele é seguro quando usado corretamente. Mas não deu certo e tive que partir para a cesárea. A equipe toda era feminina, menos o pediatra. Até hoje lembro com muito carinho da anestesista, a Flora. Eu fiquei com bastante medo quando ouvi que ia precisar da cirurgia. Foi tudo muito rápido e não tive tempo para processar. Mas o tempo todo a Flora falava que ia ficar tudo bem, que ela estava lá e que não ia deixar nada de ruim acontecer. Fez carinho na minha cabeça o tempo todo. Meses depois inclusive, eu a encontrei na academia (cidade pequena haha) e fui agradece-la pelo apoio. Ela é a única pessoa da equipe que eu lembro. Como faz diferença ter uma equipe que te acolhe numa hora dessas.
Para padrões brasileiros, foi um parto longo e muitas pessoas podem até achar que os médicos esperaram demais. Eu discordo, pois a minha filha nasceu com APGAR 9, foi direto para o meu colo, nunca foi para uma incubadora e nunca fomos separadas. Uma hora depois da cirurgia ela estava mamando e eu comendo, inclusive uma refeição do Burger King (não tive enjoo nem dor de cabeça). Dentro de poucas horas, ainda na sala do pós-operatório eu saí do soro ( a enfermeira vinha com a bolsa do soro para trocar mas quando me viu comendo um hamburger ela decidiu tirar o soro). Na manhã seguinte levantei, troquei a fralda da Clara (as enfermeiras só fazem isso se a mãe estiver incapacitada. E mesmo nesse caso espera-se que o parceiro(a) faça isso) e fui até a cafeteria do hospital tomar café da manhã empurrando o bercinho dela. A tarde, com 24 horas de operada tomei banho sozinha. Aliás como eu andei naquele hospital! Hoje eu sei que isso provavelmente ajudou minha recuperação. Três dias depois estava em casa e com cinco já caminhava empurrando o carrinho. Com oito semanas voltei a malhar e com dez voltei as aulas de body pump. Para mim isso foi um parto muito bem feito no qual se calculou muito bem os riscos e vantagens da cesárea. Minha filha nasceu pronta e como diz uma amiga, mesmo com o desfecho co cirurgia, “nenhuma gota de ocitocina foi desperdiçada”.
E aqui, depois de falar da minha recuperação física rápida(mas ainda lembro que foi bem dolorosa), algumas palavras para as mulheres que no Brasil lutaram por um parto normal e humanizado e acabaram na cesárea de emergência: No mais humanizado dos partos, no país com o menor índice de cesárea, ainda assim mulheres acabam em cesáreas, muitas vezes indesejadas, mas necessárias. E eu sei que você ficou desapontada porque teve que lutar muito por um parto normal. Você pesquisou, pagou caro por profissionais humanizados, lutou contra uma cultura e um sistema cesaristas e ainda assim acabou na cirurgia. Muito provavelmente ainda chegou aos seus ouvidos coisas como “viu só, tentou tanto e acabou na cesárea”. Para você, eu digo: eu te entendo. Eu mesma que não tive que lutar por um parto normal sofri muito com o desfecho. Tive até depressão pós-parto. Fique sabendo que você agiu de forma correta. Você procurou e brigou pela forma mais segura e respeitosa de ter seu bebê e infelizmente isso no Brasil requer uma luta árdua contra o sistema e a cultura. Porém, feliz ou infelizmente a maioria das cesáreas só podem ser indicadas durante o trabalho de parto, não há bola de cristal e a única coisa que podemos fazer é planejar, na medida do possível, um parto respeitoso.
Quando pensar que você fracassou ou ler e ouvir coisas insensíveis, lembre-se que a sua luta foi por um parto seguro e respeitoso, evitando uma cirurgia desnecessária mas também aceitando as intervenções bem indicadas afinal, parto humanizado não é parto natural a todo custo mas sim um que respeita o protagonismo da mulher, evita intervenções desnecessárias mas sabe usá-las quando a necessidade surge. Lembre-se que na hora que você aceitou a cesárea intraparto, você fez um sacrifício enorme pelo seu filho: abriu mão do seu parto ideal e se colocou em risco para o bem do seu bebê. Há um povo da humanização (uma minoria, acredito) que adora o lema “cesárea não é parto”, o que ironicamente é umas das coisas mais desumanas que se pode dizer à uma mulher que acabou de ter bebê. Eu acho isso uma tremenda besteira. Você teve parto sim pois foi todo um processo de onde nasceram uma mãe e um bebê e essa nova relação que é para uma vida. De certa forma o “parto real” como eu chamo, já é um grande preparo para a maternidade pois se tem uma coisa que aprendemos como mães é que as coisas raramente saem como o planejado.
Tendo dito isso, ainda assim você tem todo o direito do mundo de se sentir frustrada, triste e confusa. Essa história de que basta o bebê e as mãe estarem fisicamente bem não corresponde à realidade e para mim exigir isso das mulheres é na verdade bastante injusto. O parto é um momento especial, é claro que nós temos certas expectativas. No Brasil então, onde é preciso mover montanhas para ter um assistência humanizada acredito que as expectativas sejam ainda maiores. E aí a realidade é diferente, e aquele momento com o qual você tanto sonhou que é a primeira vez que você encontra seu filho, não foi só felicidade, mas também angústia e desapontamento. É ruim mesmo e nenhuma mulher deveria ter que esconder seus sentimentos porque a sociedade não entende que bem estar físico não é tudo. Meu conselho de quem já esteve nessa posição: ache pessoas com quem você pode conversar e se necessário procure ajuda profissional. Ignorar o problema e colocar um sorriso no rosto só vai colaborar para a bola de neve. Eu tenho uma teoria que uma das versões do inferno é uma mulher sorrindo cercada de gente, com um bebê recém-nascido lindo e perfeito enquanto ela segura o choro para não parecer ingrata. Então, amiga que teve um parto com um desfecho que você não queria, você não está sozinha e se estiver, não precisa continuar assim. Procure ajuda, conte a sua história. E sinta-se abraçada.